segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Suave Ilusão

Há pouco senti que me tocavas o rosto com uma súbita brisa que passou. 
Por momentos senti o teu cheiro e de novo me deixei levar pela fantasia de estar ao teu lado. 
Mas foi uma brisa apenas, algo fresco que me lembrou a tua pele na minha. 

Gonçalo d'Avellar

Acredito



Dei-te tudo de mim.
O meu coração, o meu corpo, o meu tempo.
Toda a minha essência transferiu-se para ti, numa transação sem escritura nem reconhecimento notarial,com gemidos como testemunhas, em momentos únicos, nossos.

De igual modo, tu, qual oferenda a uma divindade, serviste-te a mim, num repasto erótico e pagão, extasiado e frenético. Saciamo-nos como nunca, amamo-nos como sempre.

Fundimo-nos no alto forno do leito que partilhámos, fomos liga de metal nobre, de valor incalculável.
Fomos pele e carne, trança de pernas e braços, cornucópia de linguas ávidas, quentes, loucas.

Fizemos corar os Deuses com o amor que partilhámos.
Lá em cima, as estrelas combinam um final feliz para nós.
Eu acredito.

Gonçalo d'Avellar

Nudez

É uma nudez que as palavras nunca poderão apalpar, a tua, a meio da noite à beira da lua.
É um poema sem palavras, a tua nudez entre o sonho e a boca.
Inocentes, entregamo-nos á brancura do lençol, tal como as palavras sobre o papel. Somos impulsos, gestos, vozes à luz, à cal, à pele aprisionados.

Nos teus ombros desenho uma flor com os dedos, a mais bela flor que o amor pode inventar.
Um beijo que a exemplo das sementes, deseja só um pouco de terra e uma gota de água para poder mostrar a cor.

E havia a tal música, lânguida, talvez triste, de um cantor antigo, a meio da noite, a enlear-se nos pontos e poros com beijos longos, únicos, últimos porque era amor aquela fome de sinónimos que não conseguiamos saciar.

Sei que o verbo não pode coar tanta alegria, a luz dos teus olhos de madrugada, o coração ardendo como uma rosa a desafiar o vento.
Esta cigarra a ferver de cio e o colo esmeraldino das águas devolvem-me lembranças gregas, tardes de sol, muito perto do coração.

Nado nos teus olhos, dizes "estou feliz".
É um momento suavíssimo. Guardemo-lo ma página branca onde as palavras não se amarrotam.
Acordar devia ser sempre assim,
mergulhar nos teu olhos com um sorriso...

Gonçalo d'Avellar

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O vazio da tua ausência

Acordar sem ti é o vazio no seu pleno.

É o desfalecer da ilusão de por uns instantes te ter tido.

É despertar para o breu do dia, na solidão teimosa que vivo.

Acordar sem ti é chorar de raiva pelo sonho que vivi e ter a cruel noção que apenas fantasiei.


Gonçalo d’Avellar

...

Há um ardor de música no ar quando passas, se é que passas por este lugar onde te imagino, no perfil talvez azul do Verão. Uma luz mansa poisa entre as tuas mãos e o mar, um pássaro atravessa o rio, alheio à poeira do silêncio que devora corpo e verbo.
Vejo-te passar numa quilha de fogo e já nem sei se sonho a floração dos muros, a chuva de sílabas doces, o ouro da pele rente à boca.
Deixaste um rasto de música pelo ar, vago verso, talvez o Verão azul e o incêndio insaciável dos teus olhos para amar. Em teu perfil se forja a noite de prata, rutilante, sensual, derramando limão e menta, rasgando ruas, incitando pelo silêncio os certeiros lampiões do desejo… Hoje quero sentir-te tangendo a brisa mais feiticeira, com guitarras do olhar e juro que que vou cantar-te num pergaminho de nuvens em delírios de maresia adocicada e manteiga derretida.
Hoje hei-de amar-te como os antigos deuses, apalpando a ideia de eternidade

Gonçalo d’ Avellar

Promessa

Nada apagará as memórias que vivo.
Nada fará esquecer o turbilhão de sentimentos que foi percorrer o teu corpo com o meu beijo.
Ninguém mais entenderá o que confessámos em silêncio, o que jurámos num suspiro.
Seria tema para outros amantes…
Inspiração para escritores, a nossa história.
Seremos egoístas e reviveremos cada instante, cada dia.
Jamais alguém saberá o que flui de nós.
Gonçalo d’Avellar

Despedida

Acordei em sobressalto.
Ao meu lado o teu lugar estava livre e apenas a dança de sulcos no lençol provava a tua presença recente.
O ruído abafado do chuveiro garantia-me que ainda estavas em casa.
O quente da cama abraçava-me cinicamente. …Tinha que me levantar. Era preciso.
O teu cheiro permanecia na minha pele e quase se tornava criminoso elimina-lo com a água do duche.

Entraste no quarto com um toalhão a cobrir-te o corpo.
 Os cabelos molhados emolduravam-te o rosto e “frescura” era a palavra que me vinha à cabeça.
Sorriste enquanto te secavas. Sem querer, dei por mim a fixar-te como se nunca te tivesse visto nua, como se fosse a primeira vez.
Adorei-te por mais uns instantes e nem ouvi à primeira o teu “não vais tomar banho?” acompanhado por aquele sorriso que me desarmava.
Á segunda respondi  “vou sim, claro”.
Ao passar por ti beijei ao de leve o teu ombro esquerdo,  sorvendo uma gota de água que deixaras ficar. O toque dos lábios com a tua pele teve em mim o efeito de sempre…….

Num suspiro, reapareci no quarto já com o duche tomado. Esperavas por mim.
O olhar cúmplice teve coro e os toalhões voaram para o chão.
Num abraço apertado e louco, rolámos na cama enquanto as nossas bocas se uniam apaixonadamente.
Contigo compus a mais bela sinfonia, de sons melosos, de danças frenéticas, de olhos embriagados de prazer. De novo éramos um só corpo, uma só alma.

Amamo-nos como se o mundo fosse acabar, numa profecia Maia de paixão.
Entregámo-nos àquela luta corpo a corpo como senhores da guerra, como gladiadores, num choque de peles suadas e corpos ardentes.
No final, ficámos imóveis, em silêncio.
Saboreando os espasmos com a avidez dos eternos amantes.
Gonçalo d’Avellar

Partida

Não sabia de lágrimas nem desesperos.
Amor nunca rimara com dor e o único medo era o de te perder, mas até esse tão remoto que quase esquecido. Quando o mundo era milimetricamente nosso, quando todos astros alumiavam o nosso caminho, quando… “amar” era uma palavra nossa e Amor era teu e meu.

Generosamente egoístas, amavamo-nos um no outro para um no outro nos perdermos e perdidos nos encontrarmos, desesperadamente felizes.
A tal costela perdida assumiu significado até aí desconhecido, quando amar-te corria o risco do narcisismo, parte dele que eras.

Nesses dias e noites, o fogo corria nas veias e êxtase era palavra banal, quando os olhares acendiam fogueiras que nunca nos queimariam, quando cada sentido tinha uma percepção singular e era usado como se fosse único.
Profético aquele “love will tear us apart” que nos fazia chorar e amar como se cada vez fosse a última vez.
Proféticos esses sentidos, esfomeadamente apressados.
Hoje as praias estão desertas e há raiva no vento a gemer-me aos ouvidos e há morte no mar, que antes era a força que lavava desesperos. Já não me cantas coisas sensualmente belas, o mar grita-me ódios milenares e não entende porque te foste embora, mas foste.
 Gonçalo d’Avellar

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Reflexão

Para onde sonharás, quando tiveres para onde ir?
Adormecer num Outono qualquer, acordado pelo vento, numa manhã feita em vida.
Até que nasça um dia, depois de já ter chovido, onde pense uma Primavera, que não esta.
Esquecer que aprendi a viver a vida para ver como se morria.
Esquecer-me de ilusões frias... esquecer...

Gonçalo d' Avellar

sábado, 25 de maio de 2013

Fogo suspenso

 

Ontem vi-te.
Pela enésima vez assaltaste-me o sonho.
Mas desta vez não me tocavas, nem estavas a meu lado.
Não nadavas comigo na praia selvagem.
Não corrias comigo de mãos dadas pelo parque, enquanto as folhas outonais davam cor à ilusão.
Não jantavas à minha frente naquele restaurante nepalês no sope dos Himalaias.
Nem atiravas comigo uma moeda na Fontana di Trevi, desejando que o fim de semana durasse a eternidade.

Não.
Estavas no tecto do meu quarto. Literalmente.
As 2786 vezes que assisti ao filme "American Beauty" influenciaram o sonho, decerto.
Estavas nua, coberta de pétalas de rosa vermelho sangue e sorrias. "Êxtase" é uma palavra banal para descrever o que senti. Ao invés da cena do filme, não fiz de Kevin Spacey e, senti-me levitar até ti, numa experiência extra corpórea sensual, impossível de controlar.


Recebeste-me com um abraço largo, um sorriso doce e um beijo quente. Envoltos nas pétalas, encetámos uma dança de desejo, num amasso frenético de paixão.
Amámo-nos no tecto como num tango. Como nunca nos havíamos amado. Fomos um fogo suspenso, um foco de luz.

Por fim, deseperadamente felizes, libertámo-nos com um suspiro.
Regressei ao lençol frio. Ao gelo da realidade.
Olhei para o tecto de novo, mas as pétalas já não caíam, tu já não estavas lá. No ar apenas permanecia o cheiro da tua pele de menina e em mim latejava o coração, pleno de felicidade.

Com este pensamento, fechei os olhos e adormeci.

Início

Início 


Havia únicamente estes olhos, um rio e seus rumores.
Noites e versos de espera e a tua voz inquieta, tímida, nua... Não, não havia Lua, somente o teu sorriso triste e aquelas dúvidas sobre a vida, a morte, a paixão e tudo o que não disse.
Deixaste nas minhas mãos um papel que arde quando o toco...


Só via os teus olhos: fugitivos, doridos potros medrosos, a desenharem teias e fugas, hesitantes e fogosos.
"A vida não tem sentido" dizias como quem soltava gaivotas de mágoas em madrugadas de carvão.


Deixaste-me nas mãos o aperto da despedida queo tempo selou, porque a vida, desabafaste, "talvez seja a passagem para a morte"...
"Nada tem sentido" escrevi entre imperiais numa cervejaria em Cascais, iluminando a noite com o sorriso triste que não esqueço.


Oiço um piano a sangrar, talvez seja o meu coração à espera das tuas palavras, novas manhãs, melhorsorte.
Semeaste nos meus dias o peso do silêncio e eu, uma vez mais, choro a cantar neste poema que te ofereço.


Em que vulcão afogas os teus olhos, em que mar afundas o coração, em que pantano enterras o sorriso, em que lodo asfixias o sol....
Palavras...
Teias de silêncio, barcos de ilusão, lâminas de Lua na boca da solidão...
Palavras... O que são?