sábado, 25 de maio de 2013

Fogo suspenso

 

Ontem vi-te.
Pela enésima vez assaltaste-me o sonho.
Mas desta vez não me tocavas, nem estavas a meu lado.
Não nadavas comigo na praia selvagem.
Não corrias comigo de mãos dadas pelo parque, enquanto as folhas outonais davam cor à ilusão.
Não jantavas à minha frente naquele restaurante nepalês no sope dos Himalaias.
Nem atiravas comigo uma moeda na Fontana di Trevi, desejando que o fim de semana durasse a eternidade.

Não.
Estavas no tecto do meu quarto. Literalmente.
As 2786 vezes que assisti ao filme "American Beauty" influenciaram o sonho, decerto.
Estavas nua, coberta de pétalas de rosa vermelho sangue e sorrias. "Êxtase" é uma palavra banal para descrever o que senti. Ao invés da cena do filme, não fiz de Kevin Spacey e, senti-me levitar até ti, numa experiência extra corpórea sensual, impossível de controlar.


Recebeste-me com um abraço largo, um sorriso doce e um beijo quente. Envoltos nas pétalas, encetámos uma dança de desejo, num amasso frenético de paixão.
Amámo-nos no tecto como num tango. Como nunca nos havíamos amado. Fomos um fogo suspenso, um foco de luz.

Por fim, deseperadamente felizes, libertámo-nos com um suspiro.
Regressei ao lençol frio. Ao gelo da realidade.
Olhei para o tecto de novo, mas as pétalas já não caíam, tu já não estavas lá. No ar apenas permanecia o cheiro da tua pele de menina e em mim latejava o coração, pleno de felicidade.

Com este pensamento, fechei os olhos e adormeci.

Início

Início 


Havia únicamente estes olhos, um rio e seus rumores.
Noites e versos de espera e a tua voz inquieta, tímida, nua... Não, não havia Lua, somente o teu sorriso triste e aquelas dúvidas sobre a vida, a morte, a paixão e tudo o que não disse.
Deixaste nas minhas mãos um papel que arde quando o toco...


Só via os teus olhos: fugitivos, doridos potros medrosos, a desenharem teias e fugas, hesitantes e fogosos.
"A vida não tem sentido" dizias como quem soltava gaivotas de mágoas em madrugadas de carvão.


Deixaste-me nas mãos o aperto da despedida queo tempo selou, porque a vida, desabafaste, "talvez seja a passagem para a morte"...
"Nada tem sentido" escrevi entre imperiais numa cervejaria em Cascais, iluminando a noite com o sorriso triste que não esqueço.


Oiço um piano a sangrar, talvez seja o meu coração à espera das tuas palavras, novas manhãs, melhorsorte.
Semeaste nos meus dias o peso do silêncio e eu, uma vez mais, choro a cantar neste poema que te ofereço.


Em que vulcão afogas os teus olhos, em que mar afundas o coração, em que pantano enterras o sorriso, em que lodo asfixias o sol....
Palavras...
Teias de silêncio, barcos de ilusão, lâminas de Lua na boca da solidão...
Palavras... O que são?