quarta-feira, 19 de junho de 2013

O vazio da tua ausência

Acordar sem ti é o vazio no seu pleno.

É o desfalecer da ilusão de por uns instantes te ter tido.

É despertar para o breu do dia, na solidão teimosa que vivo.

Acordar sem ti é chorar de raiva pelo sonho que vivi e ter a cruel noção que apenas fantasiei.


Gonçalo d’Avellar

...

Há um ardor de música no ar quando passas, se é que passas por este lugar onde te imagino, no perfil talvez azul do Verão. Uma luz mansa poisa entre as tuas mãos e o mar, um pássaro atravessa o rio, alheio à poeira do silêncio que devora corpo e verbo.
Vejo-te passar numa quilha de fogo e já nem sei se sonho a floração dos muros, a chuva de sílabas doces, o ouro da pele rente à boca.
Deixaste um rasto de música pelo ar, vago verso, talvez o Verão azul e o incêndio insaciável dos teus olhos para amar. Em teu perfil se forja a noite de prata, rutilante, sensual, derramando limão e menta, rasgando ruas, incitando pelo silêncio os certeiros lampiões do desejo… Hoje quero sentir-te tangendo a brisa mais feiticeira, com guitarras do olhar e juro que que vou cantar-te num pergaminho de nuvens em delírios de maresia adocicada e manteiga derretida.
Hoje hei-de amar-te como os antigos deuses, apalpando a ideia de eternidade

Gonçalo d’ Avellar

Promessa

Nada apagará as memórias que vivo.
Nada fará esquecer o turbilhão de sentimentos que foi percorrer o teu corpo com o meu beijo.
Ninguém mais entenderá o que confessámos em silêncio, o que jurámos num suspiro.
Seria tema para outros amantes…
Inspiração para escritores, a nossa história.
Seremos egoístas e reviveremos cada instante, cada dia.
Jamais alguém saberá o que flui de nós.
Gonçalo d’Avellar

Despedida

Acordei em sobressalto.
Ao meu lado o teu lugar estava livre e apenas a dança de sulcos no lençol provava a tua presença recente.
O ruído abafado do chuveiro garantia-me que ainda estavas em casa.
O quente da cama abraçava-me cinicamente. …Tinha que me levantar. Era preciso.
O teu cheiro permanecia na minha pele e quase se tornava criminoso elimina-lo com a água do duche.

Entraste no quarto com um toalhão a cobrir-te o corpo.
 Os cabelos molhados emolduravam-te o rosto e “frescura” era a palavra que me vinha à cabeça.
Sorriste enquanto te secavas. Sem querer, dei por mim a fixar-te como se nunca te tivesse visto nua, como se fosse a primeira vez.
Adorei-te por mais uns instantes e nem ouvi à primeira o teu “não vais tomar banho?” acompanhado por aquele sorriso que me desarmava.
Á segunda respondi  “vou sim, claro”.
Ao passar por ti beijei ao de leve o teu ombro esquerdo,  sorvendo uma gota de água que deixaras ficar. O toque dos lábios com a tua pele teve em mim o efeito de sempre…….

Num suspiro, reapareci no quarto já com o duche tomado. Esperavas por mim.
O olhar cúmplice teve coro e os toalhões voaram para o chão.
Num abraço apertado e louco, rolámos na cama enquanto as nossas bocas se uniam apaixonadamente.
Contigo compus a mais bela sinfonia, de sons melosos, de danças frenéticas, de olhos embriagados de prazer. De novo éramos um só corpo, uma só alma.

Amamo-nos como se o mundo fosse acabar, numa profecia Maia de paixão.
Entregámo-nos àquela luta corpo a corpo como senhores da guerra, como gladiadores, num choque de peles suadas e corpos ardentes.
No final, ficámos imóveis, em silêncio.
Saboreando os espasmos com a avidez dos eternos amantes.
Gonçalo d’Avellar

Partida

Não sabia de lágrimas nem desesperos.
Amor nunca rimara com dor e o único medo era o de te perder, mas até esse tão remoto que quase esquecido. Quando o mundo era milimetricamente nosso, quando todos astros alumiavam o nosso caminho, quando… “amar” era uma palavra nossa e Amor era teu e meu.

Generosamente egoístas, amavamo-nos um no outro para um no outro nos perdermos e perdidos nos encontrarmos, desesperadamente felizes.
A tal costela perdida assumiu significado até aí desconhecido, quando amar-te corria o risco do narcisismo, parte dele que eras.

Nesses dias e noites, o fogo corria nas veias e êxtase era palavra banal, quando os olhares acendiam fogueiras que nunca nos queimariam, quando cada sentido tinha uma percepção singular e era usado como se fosse único.
Profético aquele “love will tear us apart” que nos fazia chorar e amar como se cada vez fosse a última vez.
Proféticos esses sentidos, esfomeadamente apressados.
Hoje as praias estão desertas e há raiva no vento a gemer-me aos ouvidos e há morte no mar, que antes era a força que lavava desesperos. Já não me cantas coisas sensualmente belas, o mar grita-me ódios milenares e não entende porque te foste embora, mas foste.
 Gonçalo d’Avellar

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Reflexão

Para onde sonharás, quando tiveres para onde ir?
Adormecer num Outono qualquer, acordado pelo vento, numa manhã feita em vida.
Até que nasça um dia, depois de já ter chovido, onde pense uma Primavera, que não esta.
Esquecer que aprendi a viver a vida para ver como se morria.
Esquecer-me de ilusões frias... esquecer...

Gonçalo d' Avellar